
Minha mãe contava que fui retirada a ferro de seu útero por uma parteira chamada Benvinda; o parto acontecera de repente e não havia médico na cidade. Até hoje, tenho na testa o sinal do fórceps, que provocou uma ferida transformada em cicatriz. Escapei graças a uma promessa de minha mãe a Nossa Senhora da Glória, de quem tenho o nome.
A cidade tinha poucas ruas, algumas de nomes engraçados, como Rua da Goela. No centro delas ficava uma pracinha, de encontro dos namorados. Em frente, a agência do Correios chefiada por minha tia-avó Cristina Aderaldo, que costumava colocar o lembrete urgentíssimo em todas as cartas que enviava.
Minha mãe, Cleonice Chaves e Sá, professora formada na Escola Normal de Fortaleza, era uma mulher inteligente, meiga, mas dotada de vontade firme no que dizia respeito à educação dos filhos. Foi com ela que me alfabetizei. A cartilha eram as manchetes de jornais. Meu pai, Tertuliano Vieira e Sá, apesar de ter apenas o curso primário, era dono de texto ágil e coerente, resultado das leituras que as pessoas daquele tempo costumavam fazer.
Comerciante com sangue de cigano, veio duas vezes a Mato Grosso do Sul, onde se fixou com a família, para escapar às dificuldades econômicas da região nordestina.
Minha primeira lembrança de Mombaça é a residência de meus avós, José Laurindo de Araújo Chaves, que foi vereador, e Etelvina Aderaldo Chaves, que gerou 17 filhos, dos quais sobreviveram 11. Recordo-me das árvores frondosas em frente à casa de tetos altíssimos na qual eu gostava de ficar à janela, descascando pedacinhos da pintura envelhecida.
A grande diversão era o banho no Rio Banabuiú, com as mulheres em horário diferenciado do dos homens, na inocente nudez de quem está em paz com o mundo. Outro passeio era ao sítio de minha tia-avó Antonina Castelo (Tininha), mãe de Plácido Castelo, que foi governador do Ceará, e de José Aderaldo Castelo, escritor e professor doutor da Universidade de São Paulo.
Sinto o perfume do incenso das missas na matriz de Nossa Senhora da Glória e escuto as vozes estridentes que vinham do coro, enquanto revejo os banquinhos forrados de veludo, com o nome de cada dono numa plaquinha dourada.
Depois do jantar, as pessoas reuniam-se na calçada. Uma atmosfera de nostalgia provocava o retorno de lembranças dos que não estavam mais ali.
Mombaça são as raízes, que fremem, quando recordo cada pequeno acontecimento disperso na fumaça das emoções. Muitos anos mais tarde, voltei. A cidade se refizera, tinha ares de modernidade. Mas a pequena cidade de meus sonhos continua viva no reino da memória em que viceja a realidade de nossa vida.
correiodoestado.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário