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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Para o governo, o terrorismo não é problema, é solução

Todos os anos, os americanos têm que assistir a uma nova rodada de cerimônias enjoativas e bajuladoras cujo principal objetivo é reforçar a lealdade ao mesmo estado militarista que causou os ataques terroristas de 11 de setembro. É tudo parte de um ciclo perpétuo, repetido ad nauseam desde os anos 1970: 1) o estado americano intervém criminosa e agressivamente no exterior; 2) a desestabilização resultante da intervenção causa um ataque terrorista em resposta contra o povo dos Estados Unidos; 3) os líderes americanos tiram proveito do ataque, manipulando o público a apoiar uma nova onda de intervenções criminosas; levando a 4) novos efeitos colaterais e terrorismo. Repetidamente.

A Al-Qaeda surgiu porque os Estados Unidos, durante a presidência de Jimmy Carter, assessorado pelo Conselheiro de Segurança Nacional Zbigniew Brzezinski, apoiou um levante fundamentalista islâmico que desestabilizou o governo pró-soviético do Afeganistão. O governo Reagan subsequentemente apoiou as guerrilhas Mujaheddin contra a invasão soviética, sob pretexto de envolver os russos em seu próprio “Vietnã” — um movimento no “Grande Jogo” que Brzezinski, mesmo depois do 11 de setembro, disse ter valido a pena.
Outro fator que contribuiu para o 11 de setembro foram as operações Escudo e Tempestade no Deserto — partes de uma guerra inteiramente incitada por Bush, com seus estímulos à invasão de Saddam Hussein ao Kuwait –, que revoltaram muitos no mundo islâmico por terem levado tropas americanas ao solo da Arábia Saudita, país que abriga os locais mais sagrados do Islã.
O 11 de setembro, por sua vez, foi um banquete para o estado de segurança nacional americano. Utilizando os ataques terroristas como pretexto, as lideranças americanas conseguiram forçar o Congresso a aprovar a Lei Patriótica dos Estados Unidos (uma concessão de poderes policiais ao estado comparável aos cedidos a Hitler pela Lei de Concessão de Plenos Poderes aprovada após o incêndio do Reichstag) e duas guerras no exterior, além de um cheque em branco para iniciar outras guerras a qualquer momento (usado para legitimar as intervenções de Obama na Líbia, na Síria, no Curdistão, entre outros). Até o presente, qualquer pessoa que se opuser às ações dos Estados Unidos ou que sugerir que os ataques terroristas do passado ocorreram em resposta a intervenções prévias dos EUA é rotulado de derrotista ou pior, Como a blogueira antiguerras Jennifer Abel disse (“Your Annual 9/11 Memorial Riddle“, Ravings of a Feral Genius, 11 de setembro): Pergunta: Qual a diferença entre o 11/09 e uma vaca? Resposta: O governo não é capaz de ordenhar uma vaca por 14 anos seguidos.
A própria Guerra do Iraque tem sido fonte de incontáveis efeitos colaterais. A Al-Qaeda no Iraque (AQI), a rede guerrilheira que surgiu para combater as tropas americanas no Iraque e o regime marionete criado pelos Estados Unidos, foi resultado direto da intervenção dos EUA. O ISIS, um ramo ainda mais radical da AQI que teve origem entre os prisioneiros de guerra no Iraque e nas guerrilhas anti-Assad treinadas pelos EUA e por seus aliados na Síria.
Então podemos colocar os 1,5 milhão de iraquianos mortos na Guerra do Iraque, os militares americanos sacrificados, todos os assassinatos e atrocidades cometidas pelo ISIS contra os curdos e o sofrimento dos refugiados sírios que escapam para a Europa atualmente na conta de Bush, Cheney e Rumsfeld — e de oportunistas como Hillary Clinton, que os auxiliou e incentivou –, que entraram em uma deliberada e assassina guerra de agressão para confiscar “armas de destruição em massa” que sabiam não existir.
(Claro, tudo isso não começou com a desestabilização do Afeganistão; podemos traçar os problemas atuais à divisão artificial do antigo Império Otomano em colônias — ou “mandatos” — após a Primeira Guerra Mundial, o suporte britânico à colonização sionista da Palestina, o suporte americano à guerra da família Saud pela unificação da Península Arábica, o golpe patrocinado pelos EUA contra o primeiro-ministro iraniano Mossadegh, o apoio americano à Irmandade Muçulmana contra Nasser no Egito… ad infinitum.)
A questão é que nunca se coloca a culpa por esses fatos em seus autores. Na verdade, vemos esses atos como um elemento positivo da política americana, porque podemos utilizá-los como pretexto para que o povo americano — que nunca parece aprender a lição — apoiar novas intervenções pelos EUA. Os líderes americanos explicitamente descreveram os ataques de 11 de setemebro como uma grande oportunidade. Por exemplo, a secretária de estado Condoleezza Rice afirmou:
Se o colapso da União Soviética e o 11/09 marcam uma grande mudança política internacional, então este não é apenas um período de grande perigo, mas de grande oportunidade. Antes que a poeira se assente, os Estados Unidos e seus aliados devem se mover decisivamente para tirar vantagem dessas novas oportunidades.
Além disso, Bush descreveu a situação à época como se tivesse “tirado a sorte grande”*.
Assim, do ponto de vista do estado, “fracassos políticos” que resultam em grandes perdas humanas não são problemas. São “oportunidades” para ganhar ainda mais poder a ser abusado.
* Bush, mais precisamente, afirmou que tinha “acertado a trifecta”, que é um termo usado por apostadores de corridas de cavalos quando acertam os 3 primeiros colocados. Bush se referia jocosamente ao fato de que o país entrava em estava em recessão econômica, estava em estado de emergência nacional e entrava em guerra simultaneamente. [N. do T.]
Kevin Carson é membro sênior do Centro por uma Sociedade Sem Estado (C4SS).

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