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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

O critério da espitirualidade

À margem direita da rodovia que cruza o semiárido cearense no sentido oposto ao mar, no trecho entre Boa Viagem e Santa Cruz do Banabuiú (Cruzeta), uma casinha cor de rosa chama a atenção pelos tantos jarros com plantas expostos em sua calçada. Incrustada no sopé de um serrote seco, ela reluz na paisagem da caatinga e enche os olhos de quem passa por aquela estrada.

Em mim, aquele cenário de confronto ao senso de que com o avanço da desertificação os sonhos de clorofila não podem ser reais, produziu várias interrogações: Quem mora naquela casa? Quanto esforço despenderá para manter tantas plantinhas aguadas ao longo de anos de estiagem? Qual o princípio que toma como referência para manter aquele nicho verde em seu lar?

No primeiro instante, me veio à mente um conjunto de respostas voltadas para justificativas de motivações estéticas intuitivas, do gosto pelo frescor da natureza ou até mesmo uma manifestação de esperança à chegada das chuvas. Frente à sequidão, pensei, inclusive, na possibilidade de uma resistência ativa de “memento mori”, decorrente da consciência de que todos somos mortais.

Em si, causas como essas que presumi me pareceram pertinentes e de indiscutível relevância, porém insuficientes para explicar aquela obra de tamanha completude. Das cinco camadas que considero como composto essencial da realidade, identifiquei a espiritual como a mais propícia a servir de base para esse tipo de impulso, por ser a mais primordial do ser pessoa.

A inteligência humana tem um certo domínio de todas as outras camadas de realidade: a física, mesmo com seus segredos, pode ser tocada e modificada; a simbólica, representada pela ação inquieta dos signos, vai sendo entendida e traduzida; a imaginária, ainda que dispense mediações, funciona como campo de liberdade plena; e a dos sonhos, com suas combinações caleidoscópicas, atua como desfragmentadora da mente.

Desse modo, reforcei em mim a crença de que a casinha ajardinada do serrote seco é, antes de tudo, um fator preponderantemente de realidade espiritual. É nela que está a gênese das nossas ênfases fabulosas e teológicas. As pessoas que plantaram e que cuidam de cada um dos jarros que ornam aquela pequena calçada fizeram e zelam um altar a céu aberto.

Exposta ao olhar de quem passa pela estrada, essa casa sugere elevação em sua frontalidade plástica de tinta hidrossolúvel. De longe, do asfalto da BR-020, ou de perto, chegando-se pelo caminho de terra, é possível sentir o silêncio da eternidade. Incrível é que quanto mais se embrenha no sertão, mais é possível encontrar esse tipo de moradia.

Na harmonia da paisagem de céu azul e mata cinza, onde se destaca uma algarobeira de sombra rala e raros movimentos de galhos e folhas, o tempo se mexe na cauda e na crista do cancão e seu canto de alerta. A porta sempre fechada e a pequena janela sempre aberta são sinais de que as pessoas que moram ali tanto podem estar em casa como podem ter saído.

Onde quer que se encontrem no momento em que se passa por lá, o ambiente de purificação que elas criaram e mantêm nos diz que Deus está na simplicidade e que a realidade espiritual é feita de mistério porque está dentro e fora de cada um e de todos nós; perto e longe da nossa mente e dos nossos pensamentos.

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